" Há algumas flores do amor que abrem só depois de longa intimidade." Osho

Beijo da Escrita


Eu escrevo como quem beija.
Um beijo longo, demorado, carinhoso.
Um beijo desses de língua.
A língua se movimenta lentamente
e me permite um gosto
ao mesmo tempo do outro
e de mim mesma.

Do outro que me encontra
neste texto
e do que há em mim que permite o encontro.


Eu escrevo como quem vive.
Assim, simples,
fazendo um texto de vida,
na vida.
Às vezes, penso,
afinal, que texto é esse que eu produzo?
Que vida é essa agenciada
pelo sabor das palavras compartilhadas,
sussurradas, como um afago?


Quem é esse outro que me encontra
e quem sou esse eu mesma que se expressa,
que se entrega...
nesse delicioso beijo de língua?
Nesse movimento que, afinal,
eu mesma provoco?
O gosto vem do meu movimento mesmo
associado ao movimento do outro.


Quando escrevo, eu me inscrevo.
Fica também o meu gosto
no gosto da língua do outro.
E isso me remete a não querer parar de escrever.Nunca.





domingo, 4 de julho de 2010

Uma Poesia para Câncer

Memória - Cecilia Meireles


Minha família anda longe
contravos de circunstancias:
uns converteram-se em flores,
outros em pedra, água, líquen,
alguns, de tanta distância,
nem têm vestígios que indiquem
uma certa orientação.



Minha família anda longe,
- Na Terra, na Lua, em Marte -
uns dançando pelos ares,
outros perdidos no chão.

Tão longe, a minha família!
Tão dividida em pedaços!
Um pedaço em cada parte...
Pelas esquinas do tempo,
brincam meus irmãos antigos:
uns anjos, outros palhaços...
Seus vultos de labareda
rompem-se como retratos
feitos em papel de seda.
vejo lábios, vejo braços,
- por um momento, persigo-os;
de repente os mais exatos,
perdem a sua exatidão.
Se falo, nada responde.
Depois, tudo vira vento,
e nem o meu pensamento
pode compreender por onde
passaram nem onde estão.

Minha família anda longe.
Mas eu sei reconhecê-la:
um cílio dentro do Oceano...
um pulso sobre uma estrela,
uma ruga num caminho
caída como pulseira,
um joelho em cima da espuma,
um movimento sozinho
aparecido na poeira...
Mas tudo vai sem nenhuma
noção de destino humano,
de humana recordação.

Minha família anda longe.
reflete-se em minha vida,
mas não acontece nada:
por mais que eu esteja lembrada,
ela se faz de esquecida:
não há comunicação!
Uns são nuvem, outros lesma...
Vejo as asas, sinto os passos
de meus anjos e palhaços,
numa ambígua trajetória
de que sou o espelho e a história.



Murmuro para mim mesma:
"É tudo imaginação!"

Mas sei que tudo é memória...

O convite do mês é navegar pelos mares da emoção e, aos mais corajosos, um mergulho nas profundezas do sentimento. A diferença é tremenda: enquanto, nas emoções, a visão que temos é apenas das reações que as pessoas, objetos, situações provocam em nós: nos sentimentos, entendemos as causas das reações e podemos de quebra descobrir sentimentos que estavam latentes apenas. Somos convidados a remexer em nossas memórias, em nossas emoções e com elas percebermos o que sentimos e como sentimos. Não é nada fácil esse momento.

Confesso que, apesar de adorar a água e as sensações que em mim provoca, preciso de uma dosagem de força de vontade pra mergulhar nas sensações. O motivo é simples: aqui não podemos fingir; não dá pra racionalizar num primeiro momento, pois o medo paralisa. Câncer vem ensinar o mundo das emoções, sua instabilidade, flutuação, a todos nós mortais. Claro que como primeiro signo do elemento água e tendo ainda a incumbência de levar-nos a matriz de nossas emoções: a família, será de forma muitas vezes visceral, pois é um mergulho no útero das razões de emoções enraizadas em nós.



Talvez por isso muitos associem o inverno a situações sombrias, depressões. Prefiram o verão, o calor, a claridade. Entretanto, para aqueles que conseguem encontrar o equilíbrio no meio do caos emocional, conseguem respirar, soltar, esses atingem um outro estágio e deparam-se com o centro dos sentimentos. A nossa capacidade humana de sentir, de sentir a materialização do sentimento em si mesmo. Parece papo de doido? È, com certeza será para todos aqueles que racionalizam, que criaram uma crosta confortável de proteção ao sentir. No entanto, tenho certeza absoluta de que muitos compreendem o que falo, pois o sentimento ultrapassa essa razão. É algo que não conseguimos expressar em palavras, a razão não consegue alcançar, mas, uma vez vivido nunca mais será esquecido, pois é a razão da própria existência, é a poesia que nos mantém vivos. A única razão de nossa existência: o sentir. Experenciar na matéria o sentimento e suas conseqüências. Só desta maneira, poderemos compreender o outro, a natureza e acima de tudo respeitá-los e preservá-los.



Assim, permita-se nesse mês sentir suas próprias emoções, perceba onde elas levam você, vá até suas raízes emocionais, o que elas querem mostrar, que emoções você busca remontar e por que remonta. Enfim, viaje nesse mar de emoções existentes em você. E dessa viagem faça a poesia de sua memória. Boa viagem!

Máxima Canceriana: Lar, doce lar, não há lugar como meu lar!!!

CÂNCER
21 de junho a 22 de julho



"E, então Deus chamou Câncer...
"A ti Câncer, atribuo a tarefa de ensinar aos homens a emoção. Minha Idéia é que provoques neles risos e lágrimas, de modo que tudo o que eles vejam e sintam desenvolva uma plenitude desde dentro. Para isso, Eu te dou o Dom da Família, para que tua plenitude possa se multiplicar."
E Câncer voltou ao seu lugar."


Principal Característica: sentimento
Qualidades: empatia, sensibilidade
Defeitos: possessividade, apego ao passado, flutuabilidade
Elemento: Água
Qualidade: Cardeal
Polaridade: Receptivo
Planeta regente: Lua
Aqui nos deparamos com o elemento água, o grande aprendizado de nossas vidas, pois lidar com as emoções não é tarefa fácil como veremos nesse signo regido pela Lua. Câncer possui uma emocionalidade quase que irresistível e exige como principal tarefa de integração interior ou individuação a necessidade de resgatar a própria individualidade do regaço materno. Entretanto, nosso amigo terá que enfrentar a figura da Mãe Terrível para sair vitorioso. Há uma figura mitológica grega que parece representar mais de perto a Mãe Terrível que perpassa a vida de todo canceriano, seja homem ou mulher, a deusa Hera e o caranguejo que vivia no pântano da Hidra de Lerna, que nos remetem diretamente aos doze trabalhos de Hércules.

Enfrentar a Hidra, um monstro de muitas cabeças que habitava no pântano de Lerna, foi o segundo dos doze trabalhos que Hércules realizou, todos por inspiração direta de Hera, que o odiava mortalmente. Zeus se apaixonara por Alcmena, prometida de Anfitrião, rei de Tebas, e através dela resolvera dar a essa cidade grega um herói como jamais existira. Para isso, sabedor da fidelidade de Alcmena, “travestiu-se” de Anfitrião, que estava a guerrear, e teve com ela três noites de amor, engravidando-a de Hércules; a seguir, com o retorno do legítimo prometido e após ter se casado com ele, Alcmena engravidou de Íficles. Nasceram, assim, dois gêmeos.

Não feliz com isso, Zeus tramou a imortalidade de seu filho mortal preferido: adormecendo Hera, fez com que a criança sugasse o seio da deusa. A despeito de a deusa ter acordado e repelido Hércules, borrifando longe o próprio leite e dando origem, com isso, à Via Láctea, o menino tornara-se imortal. E isso, Hera nunca perdoou...

Lançou contra Hércules a maldição da raiva e da demência, e ele acabou por matar os próprios filhos e a esposa: a seguir, já lúcido, Hércules consultou o oráculo de Delfos sobre como expiar tão bárbaro crime, recebendo como resposta a servidão ao primo Euristeu. E este, por sua vez, sob o mando de Hera, deu-lhe como tarefa os doze trabalhos (dos quais se supunha não sairia vencedor), entre os quais o enfrentamento da Hidra de Lerna.

Na verdade, os doze trabalhos representam a longa série de tarefas que o Herói terá de executar a contento para, depois de todas, renascer um homem novo. ( Lembram do que Cristo falou: aquele que não nascer de novo...)

Simbolicamente, segundo o mitólogo francês Paul Diel: “as múltiplas cabeças do monstro de corpo de serpente configuram os vícios múltiplos, nos quais se prolonga o corpo da perversão, a vaidade. Vivendo num pântano, a Hidra é particularmente caracterizada como símbolo dos vícios banais. Enquanto o monstro viver, enquanto a vaidade não for dominada, as cabeças, símbolos dos vícios, renascerão, mesmo que por uma vitória passageira se consiga cortar uma ou outra. Para vencer o monstro, Hércules usa a espada, arma de combate espiritual, conjugada com o archote, que cauteriza as feridas, a fim de que, uma vez cortadas, as cabeças não possam mais renascer. O archote simboliza a purificação sublime.”

Acontece que – e aqui encontramos o nosso crustáceo – no pântano de Lerna habitava um imenso caranguejo, enviado por Hera, o investiu contra Hércules pelas costas (uma manobra canceriana característica) no momento mesmo em que ele enfrentava a Hidra, “pinçando-o” pelas ancas e pelos pés. O Herói conseguiu matá-lo e, em seguida, derrotar a Hidra.

O episódio nos mostra a raiva da matriarca contra a possibilidade de independência e identidade individual de sua criatura; daí a batalha pra livrar-se da mãe ser tão constante na vida dos cancerianos – uma batalha que sempre parece maior do que é realmente, uma vez que a figura materna representa, para o inconsciente mais profundo do canceriano, a unidade ourobórica toda-poderosa que detém os destinos de si mesma e de cada elemento da criação.

Na vida do canceriano (tanto homem quanto mulher), o pai está com freqüência ausente ( viagens, serviço, etc..) e a mãe é percebida como o único pólo de poder no lar, razão pela qual a criança mal consegue apropriar-se do em geral grande poder criativo paterno – para o menino isso é perigoso, pois a figura paterna fica ofuscada pelo animus gigantesco da mãe, na óptica da criança; mais ainda: não raro a mãe da menina canceriana disputa com ela a primazia pelo poder feminino no lar, obrigando-a a “ocultar-se de si mesma”.

Assim, essa vivência infantil e aquele padrão mítico emprestam à mãe uma dimensão que ela muitas vezes não possui, o que explica o “complexo materno” encontrado no canceriano (seja ele homem ou mulher): a cada nova relação vem à tona a busca do “útero materno”, a busca de quem “cuide” dele, com a manifestação de comportamentos infantilizados que se chocam contra a aparente liberdade realizadora da pessoa – ao fim e ao cabo, ela está em busca de libertar-se do pesado sentimento de isolamento e separatividade que representou a saída do útero, mas tentando sempre retornar a ele...

Muitas vezes esse padrão duplo – o monstro sendo enfrentado e o caranguejo desestabilizando por trás – é vivido projetivamente e encontramos a relação típica na qual o parceiro, ao mesmo tempo em que parece apoiar as tarefas de crescimento do canceriano, “sabota-o” pelas costas nos momentos mais difíceis. Ou vice-versa.

Entretanto, temos de nos aproximar também de outras figuras mitológicas para ampliar o entendimento do profundo substrato mítico de Câncer; para isso, devemos ver de perto o escaravelho sagrado egípcio e a deusa grega Tétis, deusa dos mares e oceanos, de onde toda a vida surgiu.

O escaravelho, que já ocupou o lugar do caranguejo neste signo do Zodíaco (assim como a Águia fora o símbolo mais antigo do signo de Escorpião), era considerado símbolo da perpetuidade da vida pelos egípcios, dado o fato aparente de “renascer” de uma bolinha de terra. Na verdade, eram pequenas bolas de terra e esterco, nas quais o inseto depositava suas larvas, que cresciam com o calor da fermentação do esterco. O fato de o escaravelho rolar a bola de um lado para outro, “após o que a vida surgia”, implicou a comparação com a passagem do círculo solar de um lado para o outro do horizonte sua imediata associação com o deus Sol egípcio, “pai” de toda criação.

A outra figura mitológica, Tétis, parece explicar diretamente a capacidade canceriana muito comumente encontrada no canceriano de representar as imagens do inconsciente coletivo de maneira criativa. A deusa, que havia recebido a profecia de que um filho seu seria muito maior do que qualquer deus, foi impedida por Zeus de desposar uma divindade: ela só poderia ter como esposo um mortal, homem comum. Em outras palavras, somente depois de ter aprendido a canalizar através do Ego seus imensos poderes de criação e transformação, próprios de seu interior inconsciente oceânico, é que o canceriano se realizara, Porque Tétis nos aproxima mais uma vez da Mãe Terrível.

De Peleu, Tétis concebeu Aquiles, o grande herói da Guerra de Tróia. Para impedir que Aquiles se expusesse a essa guerra, Tétis vestiu-o de mulher, pois havia a profecia de que Aquiles teria uma vida curta e cheia de glórias ou uma vida longa mas inglória: Tétis, Mãe Terrível, preferiu a segunda hipótese. E, assim, às vezes, o canceriano prefere ficar no colo da mãe em vez de libertar seu imenso potencial criativo; outras vezes, fica à espera de que alguém venha realizar projetivamente o seu próprio potencial.

Por isso, a separação da mãe é sempre um enorme rito de passagem na vida do canceriano, marcando definitivamente seu segundo nascimento e, talvez, o primeiro de sua real individualidade. Mas enquanto não for feito, assim como Aquiles o fez e ganhou imortalidade ao morrer na batalha decisiva da Guerra de Tróia, o canceriano continua a buscar o útero do qual foi separado – mantendo-se impedido, dessa forma, de transcender essa busca e aproximar-se dos dons efetivos de criatividade que herdou do Pai Divino.

Este signo domina a quarta casa do mandala zodiacal, que representa o fundo do céu, ou como gosto de chamar nossa âncora – a bagagem dessa e de outras vidas, ali estão as informações referentes a nós. Também essa casa remete-nos à parte mais obscura de nós mesmos. Muitas das informações que ali estão fazemos questão de esconder, fugir. Situações, ações que forjaram nossa criança, tornando-a mimada, abandonada, rejeitada, violentada, etc. Visitar essas informações, lembranças é olhar para nossas feridas, nossas chagas que determinam em nosso presente as nossas ações, reações. Entretanto, passar por esses escombros leva-nos a encontrar o valioso em nós, que está perdido lá, esperando pelo resgate. E o valioso, o mais importante é resgatar nossa capacidade de sentir, de acreditar, buscar nossa inocência perdida para a partir dela reconstruir nossa história. Junto com ela estará a nossa verdadeira capacidade de sentir tudo. É uma jornada e tanto. Cheia de emoções, de sustos, suspiros, choros. Ao final dessa aventura, encontraremos o pote de ouro: nossa inocência!