23 de agosto a 22 de setembro
"A ti Virgem, peço que empreendas um exame de tudo o que os homens fizeram com Minha Criação. Terás que observar com perspicácia os caminhos que percorrem, e lembrá-los de seus erros, de modo que através de ti Minha Criação possa ser aperfeiçoada. Para que assim o faças, Eu te concedo o Dom da Pureza."
E Virgem retornou ao seu lugar.
Principal Característica: Busca da perfeição.
Qualidades: Sentido Prático, Organização, Perspicácia, Saúde física.
Defeitos: Frieza nas relações, “Pré-ocupações”, Ceticismo, Critica Impiedosa, Manias, Hipocondria, Trabalho Compulsivo.
Elemento: Terra
Qualidade: Mutável
Polaridade: Receptiva
Planeta Regente: Mercúrio
A fuga de Virgem à vida e o rapto de Perséfone
Assim a psicóloga junguiana Maria Esther Harding se expressa sobre as vestais, virgens sacerdotisas entregues aos serviços da deusa Vesta princípio universal de fecundidade e reprodução:
“Em muitos lugares essas sacerdotisas eram prostitutas sagradas que se davam a estranhos e aos fiéis adoradores da deusa. O termo ‘virgem’ era claramente usado no sentido original de não-casada, pois essas mulheres eram comprometidas com o serviço da deusa, e seu sexo, sua atração e seu amor não eram para ser usados para sua própria satisfação ou em função de propósitos comuns da vida humana. Não podiam unir-se a um marido, pois sua natureza de mulher era dedicada a um propósito superior, o de trazer o poder fertilizador da deusa para o contato efetivo com a vida dos seres humanos”
O mito de Virgem nos leva diretamente, entre outras figuras mitológicas, a Perséfone (filha de Deméter, deusa da agricultura e da fecundidade, Ceres para os romanos), raptada por Hades, o deus do mundo subterrâneo e das almas dos mortos. A despeito do regente do signo ser Mercúrio ou Hermes parece que a simbólica ligada ao mito virginiano tem muito pouco a ver com esse deus – exceto pela necessidade virginiana de utilizar suas possibilidades de raciocínio concreto, em geral muito desenvolvido, para poder retomar a ligação com as próprias sensações corporais.
Deméter era, por toda a Grécia mas com variantes de região para região, a deusa das colheitas e da fecundidade da Terra: filha de Cronos e Réia, era essencialmente a deusa do trigo, tendo ensinado aos homens a arte de semeá-lo, colhe-lo e, com ele, fabricar o pão. Com Zeus, teve Perséfone, a “virgem eternamente jovem”.
Um dia, quando Perséfone (já mulher mas eterna adolescente) brincava entre as ninfas e suas tias Ártemis e Palas Atenas, seu tio Hades a raptou: decidido a transformá-la em sua esposa, atraiu-a com um narciso ou um lírio (ali colocado pelo próprio Zeus) e, saindo de seu reino em uma carruagem puxada por cavalos negros, arrastou-a para o mundo subterrâneo. Perséfone gritou, Demeter correu em seu auxilio, mas ao chegar ali nada encontrou nem soube do que havia ocorrido. Por nove dias e nove noites vagou com um archote, procurando-a, consumida de saudade. Finalmente, Hélios, deus que tudo sabia, cientificou-a do acontecido. Profundamente magoada com o sucedido, Deméter recolheu-se ao interior de um santuário, negando-se a retornar ao Olimpo e a permitir que a Terra fosse fecundada, enquanto Perséfone não voltasse ao seu convívio.
Com isso,a Terra ficou sem vegetação, as colheitas se interromperam e o equilíbrio das estações foi rompido. Zeus, intercedendo junto a Hades, solicitou-lhe que permitisse que sua esposa voltasse à superfície, pois os homens corriam o risco do desaparecimento – por fome. Hades, por fim, concedeu que Perséfone passasse três meses por ano com sua mãe, no Olimpo, ficando os outros nove com seu marido no Reino do Mundo do Subterrâneo. Conseguindo a filha de volta, Deméter retornou ao Olimpo e a Terra imediatamente cobriu-se de verde.
Desse episódio mítico nasceram os mistérios de Elêusis (cidade localizada a vinte quilômetros de Atenas), cujo significado maior era o rapto de Perséfone e sua descida ao Hades como morte simbólica, seguida do retorno glorioso – como a semente que morre no seio da Terra e, ao retornar, multiplica-se em muitos e novos frutos (como a romã, fruta dedicada ao deus do subterrâneo).
O mito dos virginianos sempre nos remete a uma história da relação “mãe e sua filha”; se for mãe-filho, este a experimentará através de sua Anima ou de outras mulheres; como diz Jung, “toda mãe contém em si sua filha e toda filha, a sua mãe (...). A experiência consciente desses laços dá a sensação de que sua vida se estende por gerações, o que dá a impressão de imortalidade.”
Mas o que tem tudo isso a ver com nossos “pacatos” virginianos, segundo a tradição popular compulsivamente dedicados à ordem e à organização, com “mania de doença” e críticos ao extremo?
O virginiano nasce em um mundo amplamente dominado pela figura materna, que vive na época uma fase critica em relação à própria sensualidade e corporalidade; assim, ao lidar com a criança recém-nascida, essa mãe lhe transmite a sensação de seu corpo não ser algo “gostoso de se tocar” (é muito freqüente a mãe do virginiano “não gostar” de trocar fraldas ou limpar e lavar seu bebê). Isso cinde profundamente o virginiano (seja homem ou mulher), pois a forte sensualidade presente nas pessoas que têm Virgem por signo solar se nega a manifestar-se futuramente. Como resultado, o virginiano inclina-se profundamente à racionalização e se esquiva de viver sua sensualidade e corporalidade (a primeira dimensão vital concreta) às últimas conseqüências, tentando manter-se imune aos apelas da Vida – até o momento em que a Vida, como Hades, se intromete e o obriga a enfrentar a experiência vital de forma mais plena.
Isso explica a duplicidade encontrada com freqüência no signo, perceptível no embate entre uma timidez e uma pudicícia muito fortes, de um lado, e o que se poderia chamar de “comportamento sensual não ortodoxo”, de outro. Essa duplicidade, angustiante enquanto não entendida, é muitas vezes encontrada tanto nas prostitutas, que com freqüência são virginianas (ou têm Lua ou Ascendente em Virgem), quanto na dona-de-casa que, inexplicavelmente, acalenta inúmeros (mas muitas vezes sufocados) desejos de se envolver com amantes de um dia só – como a personagem de Luis Buñuel, no filme Belle de jour. Perséfone não é possuída apenas por Hades no sentido “sexual”: ela é penetrada pela força vital, pelo fluxo interminável de sensações corporais que simbolizam a Vida percorrendo o organismo e vitalizando-o, submetendo-o a transformações constantes e necessárias para a manutenção da própria vida.
Outra figura mitológica que encontramos ligada a este signo e que nos ajuda bastante a entender os aparentes paradoxos vividos pelo virginiano é a da deusa Astréia, que representava o princípio da Justiça e da Harmonia. Essa deusa, filha de Zeus, vivia na Terra entre os homens numa época em que a Humanidade não conhecia desavenças nem desordem, ensinando a obediência às leis naturais. Com a gradual corrpução humana, entretanto, Astréia irritou-se com a Humanidade e deixou a Terra, indo para o Olimpo e transformando-se na constelação de Virgo.
Ela simbolizava, assim, a ordem intrínseca da natureza, e sua irritação com a Humanidade é o símbolo mítico do profundo desgosto virginiano por desordem, caos e desperdício de tempo ou recursos: todas as coisas têm um lugar certo, encadeadas no tempo, em ciclos naturais de rara harmonia, donde também a inclinação virginiana a ritos de justiça e reimplantação da ordem algum dia profanada e o seu extremo criticismo a tudo aquilo que lhe parece fora de lugar ou em desarmonia.
Em sua fase imatura, o virginiano (ou virginiana) mantém-se distante da própria capacidade de amar e de viver; tendo sido submetida a muitas criticas no lar materno e ao afastamento das próprias sensações corporais, a pessoa duvida de si mesma e inclina-se poderosamente a relações de “muito trabalho e pouca paga” – quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista emocional-afetivo. A força da deusa, porém, pressiona por manifestar-se e o virginiano muitas vezes termina por viver em sua vida o papel de Sereia, envolvida num ritual narcíseo de amor por si mesma – a deusa síria Astargates, em muitos aspectos semelhante a Deméter, era simbolizada como um ser com corpo de mulher e pernas em rabo de peixe.
(Não custa lembrar que as sereias eram figuras míticas que se dedicavam a dois prazeres: observar-se no espelho das águas, num ritual de amor narcíseo, e cantar para os viajantes que por elas passavam, para que estes, não conscientes dos rochedos onde as sereias se postavam, naufragassem na tentativa de amá-las...)
Mas como lembra Maria Esther Hardng ao se referir à iniciação feminina nos mistérios do próprio corpo, “quando ela renuncia a suas pretensões pessoais, a energia e a libido, que a principio tinham propósitos individualistas, fluem para um lado feminino verdadeiro – para o qual ela fez o sacrifício (...)”. Dessa experiência nasce o poder de amar o outro. Antes de submeter-se a tal iniciação, seu amor não é mais do que desejo. Ela não pode mesmo ver a diferença entre ‘eu te amo’ e ‘eu quero que me ames’; não pode diferenciar entre ‘eu te amo’ e ‘quero a satisfação que podes me dar’. Quando tiver passado por uma experiência interior análoga à antiga prostituição no templo, os elementos do desejo e da possessividade terão sido abandonados, transmutados através da apreciação de que sua sexualidade e seu instinto são expressões de uma força divina, cuja experiência tem um valor inestimável, bastante distante de suas satisfações no plano humano.
“É impossível explicar a transformação que acontece quando o amor instintivo é aceito e assimilado dessa maneira”, continua a psicóloga, “pois trata-se de uma dessas mudanças misteriosas e inexplicáveis que pertencem ao reino psicológico, o reino onde o físico e o espiritual se encontram (...) No entanto, é claramente observável que, através de uma experiência desse tipo, o amor emerge, um amor que vê a situação da outra pessoa e pode altruisticamente simpatizar-se e apreciar.
“Afirma-se que a deusa Lua, em seu papel de prostituta, possui essa espécie de amor”, finaliza Maria Esther Harding. “Ishtar (deusa babilônica análoga a Deméter/Perséfone, com seus múltiplos seios e seu papel de fecundadora de colheitas e da Natureza) apresenta-se assim: ‘Uma prostituta compassiva sou eu’. Compaixão também é uma das principais características da Virgem Maria, que, embora nunca tenha sido considerada uma prostituta sagrada, tinha certamente experimentado uma submissão correspondente, através da qual ganhou seu título de Virgem. O amor que nasce da iniciação no templo tem a característica maternal: as lendas e os mitos são unânimes em afirmar que a deusa, como virgem, concebe através de uma concepção imaculada. O resultado do hierosgamos (‘casamento sagrado’) é a virgem engravidar: seu filho é o Herói, o Salvador, o Redentor. É o deus-homem, participando tanto da natureza do homem como da de deus. Psicologicamente, essa criança representa o nascimento de uma nova individualidade, que substitui o Ego da mulher, sacrificado através do ritual do templo”.
O mesmo vale para o ritual masculino virginiano, quando ele se integra a si mesmo através da maturação de seu núcleo feminino sensual e do abandono das expectativas coletivas em prol da força da própria vida que corre em suas veias. Deixa de fazer “o que é aceitável” ( o que sempre exige muita autocrítica), abandona a compulsão pelo ‘seguro’ e mergulha nas profundezas de si mesmo, isolado e solitário – de onde renascerá como filho natural de seu próprio “casamento interior”.
Porque se “maternidade”, no sentido mais amplo da palavra é dar à luz o frto da própria capacidade criativa, então esse mitologema se aplica a virginianos de ambos os sexos, pois todos são verdadeiramente compelidos a mostrar publicamente, de forma concreta e expressiva de quanto são capazes.
Ao fazer isso, “matam! A Sereia que vive dentro de si mesmo, pois a realização material elimina qualquer possibilidade de perfeccionismo – em função da qual existia o criticcismo exacerbado em relação a si e aos outros. Com o desaparecismento do narcisismo, em função da aceitação do Outro como pólo essencial para a plena realização da identidade 9já que a vivênia de sensualidade não consegue se dar isoladamente). A possibilidade de amar se manifesta de fato – seja esse Outro quem for, como o faria a sacerdotisa da deusa, pois o núcleo mítico de Virgem não reconhece a submissão ao “marido” ou “mulher” como norma ou fonte principal do encontro consigo mesmo.