" Há algumas flores do amor que abrem só depois de longa intimidade." Osho

Beijo da Escrita


Eu escrevo como quem beija.
Um beijo longo, demorado, carinhoso.
Um beijo desses de língua.
A língua se movimenta lentamente
e me permite um gosto
ao mesmo tempo do outro
e de mim mesma.

Do outro que me encontra
neste texto
e do que há em mim que permite o encontro.


Eu escrevo como quem vive.
Assim, simples,
fazendo um texto de vida,
na vida.
Às vezes, penso,
afinal, que texto é esse que eu produzo?
Que vida é essa agenciada
pelo sabor das palavras compartilhadas,
sussurradas, como um afago?


Quem é esse outro que me encontra
e quem sou esse eu mesma que se expressa,
que se entrega...
nesse delicioso beijo de língua?
Nesse movimento que, afinal,
eu mesma provoco?
O gosto vem do meu movimento mesmo
associado ao movimento do outro.


Quando escrevo, eu me inscrevo.
Fica também o meu gosto
no gosto da língua do outro.
E isso me remete a não querer parar de escrever.Nunca.





domingo, 22 de agosto de 2010

Virgem

23 de agosto a 22 de setembro


"A ti Virgem, peço que empreendas um exame de tudo o que os homens fizeram com Minha Criação. Terás que observar com perspicácia os caminhos que percorrem, e lembrá-los de seus erros, de modo que através de ti Minha Criação possa ser aperfeiçoada. Para que assim o faças, Eu te concedo o Dom da Pureza."

E Virgem retornou ao seu lugar.

Principal Característica: Busca da perfeição.
Qualidades: Sentido Prático, Organização, Perspicácia, Saúde física.
Defeitos: Frieza nas relações, “Pré-ocupações”, Ceticismo, Critica Impiedosa, Manias, Hipocondria, Trabalho Compulsivo.
Elemento: Terra
Qualidade: Mutável
Polaridade: Receptiva
Planeta Regente: Mercúrio

A fuga de Virgem à vida e o rapto de Perséfone

Assim a psicóloga junguiana Maria Esther Harding se expressa sobre as vestais, virgens sacerdotisas entregues aos serviços da deusa Vesta princípio universal de fecundidade e reprodução:



“Em muitos lugares essas sacerdotisas eram prostitutas sagradas que se davam a estranhos e aos fiéis adoradores da deusa. O termo ‘virgem’ era claramente usado no sentido original de não-casada, pois essas mulheres eram comprometidas com o serviço da deusa, e seu sexo, sua atração e seu amor não eram para ser usados para sua própria satisfação ou em função de propósitos comuns da vida humana. Não podiam unir-se a um marido, pois sua natureza de mulher era dedicada a um propósito superior, o de trazer o poder fertilizador da deusa para o contato efetivo com a vida dos seres humanos”



O mito de Virgem nos leva diretamente, entre outras figuras mitológicas, a Perséfone (filha de Deméter, deusa da agricultura e da fecundidade, Ceres para os romanos), raptada por Hades, o deus do mundo subterrâneo e das almas dos mortos. A despeito do regente do signo ser Mercúrio ou Hermes parece que a simbólica ligada ao mito virginiano tem muito pouco a ver com esse deus – exceto pela necessidade virginiana de utilizar suas possibilidades de raciocínio concreto, em geral muito desenvolvido, para poder retomar a ligação com as próprias sensações corporais.

Deméter era, por toda a Grécia mas com variantes de região para região, a deusa das colheitas e da fecundidade da Terra: filha de Cronos e Réia, era essencialmente a deusa do trigo, tendo ensinado aos homens a arte de semeá-lo, colhe-lo e, com ele, fabricar o pão. Com Zeus, teve Perséfone, a “virgem eternamente jovem”.

Um dia, quando Perséfone (já mulher mas eterna adolescente) brincava entre as ninfas e suas tias Ártemis e Palas Atenas, seu tio Hades a raptou: decidido a transformá-la em sua esposa, atraiu-a com um narciso ou um lírio (ali colocado pelo próprio Zeus) e, saindo de seu reino em uma carruagem puxada por cavalos negros, arrastou-a para o mundo subterrâneo. Perséfone gritou, Demeter correu em seu auxilio, mas ao chegar ali nada encontrou nem soube do que havia ocorrido. Por nove dias e nove noites vagou com um archote, procurando-a, consumida de saudade. Finalmente, Hélios, deus que tudo sabia, cientificou-a do acontecido. Profundamente magoada com o sucedido, Deméter recolheu-se ao interior de um santuário, negando-se a retornar ao Olimpo e a permitir que a Terra fosse fecundada, enquanto Perséfone não voltasse ao seu convívio.

Com isso,a Terra ficou sem vegetação, as colheitas se interromperam e o equilíbrio das estações foi rompido. Zeus, intercedendo junto a Hades, solicitou-lhe que permitisse que sua esposa voltasse à superfície, pois os homens corriam o risco do desaparecimento – por fome. Hades, por fim, concedeu que Perséfone passasse três meses por ano com sua mãe, no Olimpo, ficando os outros nove com seu marido no Reino do Mundo do Subterrâneo. Conseguindo a filha de volta, Deméter retornou ao Olimpo e a Terra imediatamente cobriu-se de verde.

Desse episódio mítico nasceram os mistérios de Elêusis (cidade localizada a vinte quilômetros de Atenas), cujo significado maior era o rapto de Perséfone e sua descida ao Hades como morte simbólica, seguida do retorno glorioso – como a semente que morre no seio da Terra e, ao retornar, multiplica-se em muitos e novos frutos (como a romã, fruta dedicada ao deus do subterrâneo).

O mito dos virginianos sempre nos remete a uma história da relação “mãe e sua filha”; se for mãe-filho, este a experimentará através de sua Anima ou de outras mulheres; como diz Jung, “toda mãe contém em si sua filha e toda filha, a sua mãe (...). A experiência consciente desses laços dá a sensação de que sua vida se estende por gerações, o que dá a impressão de imortalidade.”

Mas o que tem tudo isso a ver com nossos “pacatos” virginianos, segundo a tradição popular compulsivamente dedicados à ordem e à organização, com “mania de doença” e críticos ao extremo?

O virginiano nasce em um mundo amplamente dominado pela figura materna, que vive na época uma fase critica em relação à própria sensualidade e corporalidade; assim, ao lidar com a criança recém-nascida, essa mãe lhe transmite a sensação de seu corpo não ser algo “gostoso de se tocar” (é muito freqüente a mãe do virginiano “não gostar” de trocar fraldas ou limpar e lavar seu bebê). Isso cinde profundamente o virginiano (seja homem ou mulher), pois a forte sensualidade presente nas pessoas que têm Virgem por signo solar se nega a manifestar-se futuramente. Como resultado, o virginiano inclina-se profundamente à racionalização e se esquiva de viver sua sensualidade e corporalidade (a primeira dimensão vital concreta) às últimas conseqüências, tentando manter-se imune aos apelas da Vida – até o momento em que a Vida, como Hades, se intromete e o obriga a enfrentar a experiência vital de forma mais plena.

Isso explica a duplicidade encontrada com freqüência no signo, perceptível no embate entre uma timidez e uma pudicícia muito fortes, de um lado, e o que se poderia chamar de “comportamento sensual não ortodoxo”, de outro. Essa duplicidade, angustiante enquanto não entendida, é muitas vezes encontrada tanto nas prostitutas, que com freqüência são virginianas (ou têm Lua ou Ascendente em Virgem), quanto na dona-de-casa que, inexplicavelmente, acalenta inúmeros (mas muitas vezes sufocados) desejos de se envolver com amantes de um dia só – como a personagem de Luis Buñuel, no filme Belle de jour. Perséfone não é possuída apenas por Hades no sentido “sexual”: ela é penetrada pela força vital, pelo fluxo interminável de sensações corporais que simbolizam a Vida percorrendo o organismo e vitalizando-o, submetendo-o a transformações constantes e necessárias para a manutenção da própria vida.

Outra figura mitológica que encontramos ligada a este signo e que nos ajuda bastante a entender os aparentes paradoxos vividos pelo virginiano é a da deusa Astréia, que representava o princípio da Justiça e da Harmonia. Essa deusa, filha de Zeus, vivia na Terra entre os homens numa época em que a Humanidade não conhecia desavenças nem desordem, ensinando a obediência às leis naturais. Com a gradual corrpução humana, entretanto, Astréia irritou-se com a Humanidade e deixou a Terra, indo para o Olimpo e transformando-se na constelação de Virgo.

Ela simbolizava, assim, a ordem intrínseca da natureza, e sua irritação com a Humanidade é o símbolo mítico do profundo desgosto virginiano por desordem, caos e desperdício de tempo ou recursos: todas as coisas têm um lugar certo, encadeadas no tempo, em ciclos naturais de rara harmonia, donde também a inclinação virginiana a ritos de justiça e reimplantação da ordem algum dia profanada e o seu extremo criticismo a tudo aquilo que lhe parece fora de lugar ou em desarmonia.

Em sua fase imatura, o virginiano (ou virginiana) mantém-se distante da própria capacidade de amar e de viver; tendo sido submetida a muitas criticas no lar materno e ao afastamento das próprias sensações corporais, a pessoa duvida de si mesma e inclina-se poderosamente a relações de “muito trabalho e pouca paga” – quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista emocional-afetivo. A força da deusa, porém, pressiona por manifestar-se e o virginiano muitas vezes termina por viver em sua vida o papel de Sereia, envolvida num ritual narcíseo de amor por si mesma – a deusa síria Astargates, em muitos aspectos semelhante a Deméter, era simbolizada como um ser com corpo de mulher e pernas em rabo de peixe.

(Não custa lembrar que as sereias eram figuras míticas que se dedicavam a dois prazeres: observar-se no espelho das águas, num ritual de amor narcíseo, e cantar para os viajantes que por elas passavam, para que estes, não conscientes dos rochedos onde as sereias se postavam, naufragassem na tentativa de amá-las...)

Mas como lembra Maria Esther Hardng ao se referir à iniciação feminina nos mistérios do próprio corpo, “quando ela renuncia a suas pretensões pessoais, a energia e a libido, que a principio tinham propósitos individualistas, fluem para um lado feminino verdadeiro – para o qual ela fez o sacrifício (...)”. Dessa experiência nasce o poder de amar o outro. Antes de submeter-se a tal iniciação, seu amor não é mais do que desejo. Ela não pode mesmo ver a diferença entre ‘eu te amo’ e ‘eu quero que me ames’; não pode diferenciar entre ‘eu te amo’ e ‘quero a satisfação que podes me dar’. Quando tiver passado por uma experiência interior análoga à antiga prostituição no templo, os elementos do desejo e da possessividade terão sido abandonados, transmutados através da apreciação de que sua sexualidade e seu instinto são expressões de uma força divina, cuja experiência tem um valor inestimável, bastante distante de suas satisfações no plano humano.

“É impossível explicar a transformação que acontece quando o amor instintivo é aceito e assimilado dessa maneira”, continua a psicóloga, “pois trata-se de uma dessas mudanças misteriosas e inexplicáveis que pertencem ao reino psicológico, o reino onde o físico e o espiritual se encontram (...) No entanto, é claramente observável que, através de uma experiência desse tipo, o amor emerge, um amor que vê a situação da outra pessoa e pode altruisticamente simpatizar-se e apreciar.

“Afirma-se que a deusa Lua, em seu papel de prostituta, possui essa espécie de amor”, finaliza Maria Esther Harding. “Ishtar (deusa babilônica análoga a Deméter/Perséfone, com seus múltiplos seios e seu papel de fecundadora de colheitas e da Natureza) apresenta-se assim: ‘Uma prostituta compassiva sou eu’. Compaixão também é uma das principais características da Virgem Maria, que, embora nunca tenha sido considerada uma prostituta sagrada, tinha certamente experimentado uma submissão correspondente, através da qual ganhou seu título de Virgem. O amor que nasce da iniciação no templo tem a característica maternal: as lendas e os mitos são unânimes em afirmar que a deusa, como virgem, concebe através de uma concepção imaculada. O resultado do hierosgamos (‘casamento sagrado’) é a virgem engravidar: seu filho é o Herói, o Salvador, o Redentor. É o deus-homem, participando tanto da natureza do homem como da de deus. Psicologicamente, essa criança representa o nascimento de uma nova individualidade, que substitui o Ego da mulher, sacrificado através do ritual do templo”.

O mesmo vale para o ritual masculino virginiano, quando ele se integra a si mesmo através da maturação de seu núcleo feminino sensual e do abandono das expectativas coletivas em prol da força da própria vida que corre em suas veias. Deixa de fazer “o que é aceitável” ( o que sempre exige muita autocrítica), abandona a compulsão pelo ‘seguro’ e mergulha nas profundezas de si mesmo, isolado e solitário – de onde renascerá como filho natural de seu próprio “casamento interior”.

Porque se “maternidade”, no sentido mais amplo da palavra é dar à luz o frto da própria capacidade criativa, então esse mitologema se aplica a virginianos de ambos os sexos, pois todos são verdadeiramente compelidos a mostrar publicamente, de forma concreta e expressiva de quanto são capazes.

Ao fazer isso, “matam! A Sereia que vive dentro de si mesmo, pois a realização material elimina qualquer possibilidade de perfeccionismo – em função da qual existia o criticcismo exacerbado em relação a si e aos outros. Com o desaparecismento do narcisismo, em função da aceitação do Outro como pólo essencial para a plena realização da identidade 9já que a vivênia de sensualidade não consegue se dar isoladamente). A possibilidade de amar se manifesta de fato – seja esse Outro quem for, como o faria a sacerdotisa da deusa, pois o núcleo mítico de Virgem não reconhece a submissão ao “marido” ou “mulher” como norma ou fonte principal do encontro consigo mesmo.



sexta-feira, 6 de agosto de 2010

LEÃO
22 de julho a 21 de agosto


"E, então Deus chamou Leão...
"A ti Leão, atribuo a tarefa de exibir ao mundo Minha Criação em todo o seu esplendor. Mas deves ter cuidado com o orgulho, e sempre lembrar que é Minha Criação, e não tua. Se o esqueceres, serás desprezado pelos homens. Há muita alegria em teu trabalho; basta fazê-lo bem. Para isso Eu te concedo o Dom da Honra."
E Leão voltou ao seu lugar.
Principal Característica: alegria
Qualidades: dignidade, generosidade, extroversão.
Defeitos: egocentrismo, autoritarismo, teimosia, orgulho
Elemento: Fogo
Qualidade: Fixo
Polaridade: Ativo
Planeta Regente: Sol

Antes de tudo, um registro importante: o signo de Leão é regido pelo Sol, o que nos aproxima imediatamente da figura do pai (o Sol é o principal símbolo paterno na carta astrológica natal) e nos remete à noção de criatividade infinita – como aliás o permite o próprio Sol no desenvolvimento da vida terrestre e humana.
Nesse sentido, temos figuras leoninas perpassando toda a história mitológica da Humanidade. Para os egípcios, a deusa solar Sekmet, com cabeça de leoa, era responsável 9com seus rugidos) por provocar sulcos na terra, no verão, de onde germinavam as plantas entre elas o papiro e o trigo; para os hindus, Krishna era o Leão; para a cultura do Extremo Oriente, Buda era o Leão dos Sákia; na cultura judeu-cristã Cristo era o Leão de Judá; para os muçulmanos, o leão de Alá era Ali, genro de Maomé. Como registra Junito Brandão, “poderoso e soberano, símbolo solar e extremamente luminoso, o rei dos animais possui em alto grau as qualidades e os defeitos inerentes à sua espécie. Encarnação do Poder, da Sabedoria e da Justiça, deixa-se arrastar, em contrapartida, pelo escesso de orgulho e segurança, que lhe conferem uma imagem de Pai, Senhor e Soberano. Ofuscado pelo próprio poder, cegado pela própria luz, torna-se tirano, acreditando-se um protetor. Pode ser maravilhoso, tanto quanto insuportável: nessa polaridade oscilam suas múltiplas acepções simbólicas.”
O tema leonino, assim como o ariano, parece centrar-se na figura parental paterna. Isto é, na batalho do Herói contra seu pai ou do filho que busca a própria identidade através do embate com a figura paterna, utilizando os próprios recursos. Embate esse que, ao contrário dos signos que têm a figura do Pai como centro de seu mito, terá de ser vencido através da aproximação e do amor, e não das armas: somente assim o Herói conquistará seus valores espirituais (sempre frutos do Pai) e atingirá a transpessoalidade tão desejada.
Assim duas figuras distintas, uma da Grécia antiga e outra da Europa medieval, nos transportam ao núcleo mítico do leonino: o mito do Leão de Neméia e a lenda de Persifal e o Santo Graal.
A morte do Leão de Neméia foi o primeiro dos doze trabalhos de Hércules. Esse leão, criado pela deusa lunar Selene ou pela própria deusa Hera, vivia numa caverna de duas bocas durante o dia, saindo à noite para aterrorizar os bosques da Neméia, cidade da região grega da Arególida, devorando os rebanhos que lá pastavam. Era relativamente invulnerável, pois Hera o dotara de tais poderes contra flechas, maças, lanças e tacapes, que tais armas nem sequer lhe arranhavam o pelo!
Hércules foi à Neméia e enfrentou o leão em frente de sua própria caverna; num primeiro momento, esquecido da invulnerabilidade do animal, atirou-lhe flechas: nada aconteceu, senão assustar o animal, que se refugiou na caverna. Então Hércules entrou nu e desarmado no covil da fera, munido apenas de um archote para iluminar-lhe o caminho e, ao enfrentar corpo a corpo o animal, sufocou-o pela garganta com as próprias mãos. A seguir, retirou-lhe a pele e com ela fez uma vestimenta protetora, fazendo de sua cabeça um capacete.
A briga de homens contra animais é uma das mais antigas imagens míticas arquetípicas, sendo no seu sentido mais amplo a luta do Ego humano contra os instintos e impulsos impessoais que provêm do inconsciente; dessa batalha é que se definirá sempre o caminho da individuação e conquista de identidade da própria pessoa. Dessa vez, entretanto, trata-se de um fera destrutiva, pelos fortes impulsos emocionais de que é portadora, e não mais de um crustáceo de sangue frio e “sem paixões”, provindo dos reinos do inconsciente profundo, como vimos no caso do nosso canceriano no mês passado.
O leão é uma fera domesticável e não somente vencível através da destruição: corresponde às paixões do coração, que ficam a serviço de seu possuidor depois de humanizadas, como hércules utilizou a pele do Leão da Neméia a seu favor após a vitória.
Como diz Jung no estudo da simbologia deste animal, “ a forma animal enfatiza que o ‘rei’ é poderoso demais ou está revestido por seu lado animal e que, em conseqüência, se expressa apenas ‘animalescamente’, isto é, de forma apenas emocional, Emocionalidade, quando no sentido de afetos incontroláveis, é essencialmente animal, razão pela qual pessoas nesse estágio são tratadas apenas com o cuidado próprio de quem anda na selva ou com os métodos que o treinador de animais utiliza em seu trabalho”.
Em outras palavras: com muito cuidado ou com a dupla “chicote-torrão de açúcar”...
E é isso o que se verifica na vida dos leoninos: exposto ao convívio com um pai exvessivamente “ético” e “justo”, o leonino desde cedo vê punidas com severidade todas as suas fortes reações emocionais e premiadas em excesso suas manifestações de comportamento ético e justo. Sacrifica-se no altar do perfeccionismo, o que explica sua constante busca pelo “melhor”, e não vive a sensação de ser amado pelo que é – mas sempre, apenas, pelo “muito bom” que será capaz de produzir. Dessa forma, suas emoções são mantidas no inconsciente e se rornam verdadeiras paixões arrebatadoras e autônomas que dominam a consciência e o comportamento, sendo colocadas a serviço de quaisquer novas causas.
Entretanto, conhecer e “dominar” as próprias paixões (sempre uma vivência juvenil das emoções) é passo fundamental no processo de resgate do que de mais elevado vem do pai: o alto idealismo, cuja manifestação “torta” é a compulsão perfeccionista, e a sensibilidade ética à justiça, cuja vivência compulsiva é a rigidez de padrões de convívio pessoal. Daí conviverem os três no coração do leonino, enquanto estiver em sua fase menos madura: o idealismo exacerbado, o perfeccionismo implacável e a preocupação ética em demasia.
Mas o leão é a fase do processo e por isso Jung o associou à figura de Mercúrio no processo alquímico de transformação de matéria-prima bruta em ouro, à medida que a pessoa enfrente suas paixões no fundo da própria caverna, somente com os recursos de que dispõe, e que as coloque a seu serviço de maneira humanizada, isto é, em acordo com seu Ego – razão pela qual muitos reis portavam uma coroa em forma de leão, ou adornavam seu trono e estandarte com o animal: apenas quem conseguiu dominar as próprias paixões pode governar homens, ao oferecer-se enquanto exemplo.
Mas (e no caso do leonino isso é mais evidente ainda, dado o acúmulo de soberba e “orgulho” desenvolvido como compensação à rejeição paterna na infância) essa transformação só poderá se dar através do amor e da compaixão, depois de ter aprendido a se aceitar como se é e a se amar pelo que se é, o que nos remete a Parsifal e à lenda do Santo Graal, no primeiro século do milênio passado.
Von Eischenbach, poeta germânico da Alta Idade Média, escreveu Parsifal (obra que futuramente inspirou o compositor Wagner para uma ópera com o mesmo nome), descrevendo as peripécias de um jovem que busca encontrar o Santo Graal; esse Graal, supostamente o cálice no qual José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo durante o seu suplicio na cruz, estava perdido, e todos os cavaleiros e nobres lutavam por encontra-lo. Faz parte desse ciclo de lendas o mito de Artur, rei da Távola Redonda e unificador da Bretanha.
Conta essa história que estava Parsifal brincando no bosque perto da casa onde vivia com sua mãe (portanto, ainda sem pai), quando dele se aproximaram alguns cavaleiros reais que estavam em busca do Graal. Pasifal imediatamente quis reunir-se a eles em sua buscae comunicou a decisão à mãe; esta quis impedi-lo, mas Parsifal, por ter sua vida ligada ao alcance de um ideal e não à mãe, partiu assim mesmo. Essa partida provocou a morte dela, por tristeza, o que parece estar presente (muitas vezes de forma simbólica) no rito de iniciação de quase todo leonino.
Segundo os cavaleiros, Parsifal defrontou-se (sem nenhuma razão aparente) com um Cavaleiro Vermelho, o derrotou e passou a usar sua armadura (como Hércules fez com a pele do leão), sagrando-se cavaleiro. A seguir, ajudou uma jovem a atravessar um rio e dela recebeu, como prêmio, um anel: sem dúvida, dada a simbologia da cena, iniciava-se sexualmente. E um pouco adiante, sem esperar, deparou-se com uma enorme extensão de água, no meio da qual um velho pescava, mas sobre a qual não se via nenhuma ponte ou forma de travessia. Questionado por Parsifal se ali seria o fim de todos os caminhos, o velho pescador indicou-lhe o caminho para o Castelo do Graal, até então algo completamente desconhecido por Parsifal.
Para chegar ao castelo, Parsifal atravessou uma larga faixa de terra que, mesmo fértil, estava completamente devastada e improdutiva. Logo que chegou ao castelo, Parsifal compreendeu: seu rei, que na verdade era o mesmo pescador que encontrara antes, tinha sido ferido na altura do fígado (simbolicamente associado a Júpiter, ou Zeus, e sua capacidade de mobilizar poder criativo) e era perpetuamente mantido assim. Naquela tarde, como em todas as tardes, quatro escravas (uma com uma espada, outra com um cálice dourado, uma terceira com uma bandeja prateada e a quarta com um lança) entraram na sala onde o rei estava e enterraram profundamente a lança na ferida do rei, tornando a machucar seu núcleo de poder criativo e impedindo-o de reavivar sua terra.
Parsifal observou a estranha cerimônia mas, pouco se importando com o sentido nela implícito ou com a continua dor do rei, foi dormir. Ao acordar, o castelo estava deserto e Parsifal encontrou um velha mulher, que lhe disse que se tivesse perguntado “ Para que o Graal serve?”, concoído da sorte do velho rei, teria imediatamente curado sua ferido e ao mesmo tempo dado vida nova à terra desolada. Mas perdido na própria busca e cheio de orgulho que ela lhe provocava, não o pudera fazer. Parsifal saiu do castelo, este desapareceu e só reapareceria quando ele tivesse a necessária maturidade e compaixão para fazer a pergunta redentora.
A história prossegue e, depois de muitas aventuras, durante as quais Parsifal vai desenvolvendo a própria capacidade de compaixão e perdendo sua soberba, por fim o castelo reaparece e a pergunta é feita. Imediatamente o velho rei fica curado, a terra começa a produzir e o rei informa a Parsifal ser seu avô. Com isso o Castelo do Graal é entregue aos cuidados de Parsifal, que reencontra o pai – mas agora um pai mais antigo, gerador do próprio pai de Parsifal, e não apenas o pai carnal de quem se perdera na infância.
Em outras palavras, o Self, símbolo do pai, motivo pelo qual o leonino se bate tanto para encontrar a verdade! Não mais o pai do ariano, que deve ser vencido pela confrontação direta, nem o pai do capricorniano, que será vencido através da descoberta dos limites da realidade que não soube oferecer ao filho, mas o pai que é fonte de criatividade e só estava à espera de ser redimido pelo próprio filho – o qual, por sua vez, poderá faze-lo apenas ao aprender a se condoer e a expor as condições mais simplesmente humanas que carrega dentro de si mesmo, para poder realizar toda a criatividade de que é potencialmente capaz.
Seja o Graal o que for – a causa defendida, a busca de espiritualidade ou algum objetivo pessoal -, ele está sempre à frente do impulso leonino de busca, atraindo-o irresistivelmente. Que o leonino não deixe de reconhecer suas qualidades mais humanas – emoções – na defesa irrestrita dessa causa, na busca incansável dessa espiritualidade ou na consecução denodada desse objetivo!