-A linguagem visual: um código ao alcance de todos –
"A placa com o desenho de um avião indica o caminho para o aeroporto; com um prato entre uma faca e garfo alerta que há um restaurante logo ali; o cartaz com um cigarro acesso, cortado por uma faixa vermelha, lembra que não é permitido fumar; o contorno de um homem ou mulher sobre uma porta informa que ali é um banheiro - masculino ou feminino; (...) silhuetas humanas imitando determinados movimentos simbolizam atividades esportivas; degraus avisam que há uma escada por perto; e a clássica caveira sobre duas tíbias cruzadas adverte: perigo à vista.
Hieroglifos, em grego, significa inscrições sagradas. Mas glifos atuais são apenas utilitários. Eles foram se espalhando à medida que a revolução dos transportes e comunicações produziu o turismo internacional de massa, pondo a circular pelo mundo milhões de pessoas pouco familiarizadas com a língua dos países visitados. Daí a necessidade de uma linguagem que pudesse ser compreendida por qualquer um principalmente em lugares grandes, movimentados e complexos, como os aeroportos, onde a informação rápida e precisa é fundamental não apenas para os viajantes como também para o funcionamento do próprio sistema. (...)
Os glifos modernos começaram a aparecer aos poucos, nos primeiros anos do século 20. A iniciativa coube aos clubes automobilísticos da Europa e dos Estados Unidos. Preocupados com a sorte dos calhambeques e de seus arrojados, mas por definição inexperientes, motoristas, que irrompiam por cidades, vilarejos e estradas, instalaram as primeiras e toscas placas de trânsito. (....)
A evolução dos glifos
Como ocorre com qualquer linguagem, os glifos também evoluíram, ficando mais padronizados. Por exemplo, os pormenores dos desenhos foram reduzidos ao mínimo indispensável. As linhas ficaram mais uniformes, com o objetivo de atrair a atenção e permitir o entendimento instantâneo da informação contida na placa; os limites foram suavizados com curvas. Em sua maioria, os glifos passaram a apresentar figuras sólidas e escuras sobre um fundo claro. As cores tornaram-se convencionais: amarelo, para destacar; vermelho, quando indica proibição. Aliás, ao exprimir uma proibição, os glifos sempre têm uma faixa em diagonal, do canto superior esquerdo para o inferior direito.
Apesar da padronização, nem sempre os glifos são os mesmos em toda parte. Na maioria dos países, o sinal proibido estacionar é a letra P cortada por uma faixa vermelha, e no Brasil a letra cortada é o E. Isto porque nem todos entendem que a letra P é a inicial da palavra parking (estacionamento) em inglês. Enquanto o código internacional vigorou entre nós, muita gente levou multa sem saber o motivo.
Sem palavras, os sinais podem informar melhor
Justamente para evitar confusões como essa, os criadores de glifos foram abandonando sempre que possível o uso de letras ou palabras, substituindo-as por imagens. As vantagens, ao menos teoricamente são evidentes -diminuem os mal-entendidos e amplia-se o número de pessoas capazes de perceber do que se trata. Nesse sentido, a placa onde se vê o desenho de um homem com uma pá cheia de terra informa mais depressa que há uma obra naquele local do que a velha tabuleta com o aviso Cuidado - homens trabalhando, que evidentemente é grego para quem não domina o idioma no qual está escrito. Por isso, pode-se dizer com segurança que a placa onde a mensagem é apresentada por meio de uma figura passa seu recado melhor do que se contiver um símbolo com um letra (...).
Além disso, os especialistas observam que os glifos precisam acompanhar as danças tecnológicas para não se desatualizar. Assim, a corneta cruzada por uma faixa em diagonal que indica proibição de buzinar não significa mais nada para os automobilistas da nova geração. O mesmo se aplicaria a objetos de uso cotidiano cuja forma tende a mudar, como o telefone, onde o disco já foi totalmente substituído por teclas na maioria dos países. Os fãs dos glifos sonham com o dia em que esses se tornarão a base de um novo esperanto, a língua universal. (...)"
Linguagem, Poder e Ensino da Língua - José H. Dacanal
No segundo e terceiro capítulos de José Hildebrando Dacanal, Linguagem, Poder e Ensino da Língua, encontramos uma das reflexões mais objetivas e bem escritas a respeito do assunto. Vejamos:
".... II. A LÍNGUA COMO PRODUÇÃO DO HOMEM
O homem produz coisas, simples e complexas, com materialidade e sem materialidade. Mas nem sempre foi assim. No começo - e este começo, ao que se presume, ocorreu várias vezes, em espaços, tempos e ritmos diversos - o homem mel se diferenciava dos animais. Como estes, coletava sua comida, servia-se dos abrigos naturais e se reproduzia, sem mesmo dispor de habilidades instintivas de espécies geneticamente sedimentadas ao longo de incontáveis milênios - os castores, por exemplo. Mas foi exatamente esta instabilidade cultural, se assim pode ser chamada, que o destacou do mundo puramente animal e lhe deu condições de evoluir e progredir.
Desta forma, ultrapassada a barreira da simples coleta de alimentos e dos dinais funcionais elementares - o grito de dor, de alerta, etc. - o homem começou a usar a natureza, reordenando-a, em vez de simplesmente aceitá-la no que tinha de útil. A pedra foi quebrada e assim, melhorada. Os sinais funcionais elementares foram diversificados e sofisticados. Da pedra chegou-se ao avião, ao foguete, à nave interplanetária. Dos sons guturais à língua perfeitamente organizada. Os exemplos poderiam multiplicar-se quase indefinidamente.
Em resumo, o homem produziu e produz coisas. Esta produção engloba desde instrumentos e objetos que praticamente ficam restritos à pura materialidade física até modelos comportamentais, visões de mundo e construções matemáticas que dela nada possuem (o que não quer dizer que a ela não estejam referidas, ao contrário).
Entre estas coisas que o homem produziu e produz está o símbolo, que ocupa um lugar específico no espaço que vai da pura materialidade à mais elevada abstração desta. Este lugar específico é consequência do fato de ser o símbolo, por definição e como a própria palavra o indica*, uma produção humana composta de duas partes distintas e inseparáveis, sendo uma de natureza material e a outra de natureza imaterial. Um símbolo, portanto, é formado por algo físico (ou material) que carrega consigo ou em si um sentido não físico (ou imaterial).
Por sua vez, os símbolos podem ser divididos em simples e complexos, fixos e variáveis, unívocos e plurívocos, etc., segundo a natureza da relação entre as duas partes que os compõem. Outra divisão poderia ser a que levasse em conta a importância maior ou menor de uma das partes componentes. Estas questões não serão tratadas aqui.
Para o objetivo perseguido neste ensaio é necessário apenas - e suficiente - provar que, estabelecida a definição, toda palavra é um símbolo no qual a parte material é o som ou o conjunto dos sons - o chamado significante - e a imaterial a coisa referida - o chamado significado. Como esta prova é desnecessária por evidente, conclui-se que toda língua é um conjunto mais ou menos amplo de símbolos sonoros convencionados. Em outras palavras, símbolos cujos sons, em princípio, referem-se sempre às mesmas coisas. Desta forma, o que está na base da função exercida por uma língua em uma comunidade humana é seu caráter de convenção.
* Do grego= lançar junto.
III. A LÍNGUA COMO CONVENÇÃO
Toda língua é, por natureza e por evidência, uma convenção, um acordo entre os membros componentes de um grupo, Os elementos técnicos que estão na base desta convenção e, portanto, da própria língua são dois: a capacidade de emitir e captar sons e a capacidade de organizá-los e ordená-los como símbolos*, isto é, referi-los à realidade, seja esta o próprio fenômeno humano, seja o mundo real empírico externo ao homem e sobre o qual este age.
A capacidade de emitir e captar sons não é exclusiva dos humanos e, neste sentido, pode-se dizer que cada espécie animal possui uma língua rudimentar, limitada a um som ou a um conjunto de sons sempre idênticos emitidos em situações específicas e bem definidas, como nas sensações de dor, de medo, etc. Esta capacidade também os humanos a possuem. O que, porém, comumente se entende por linguagem é a capacidade de organizar e/ou dominar uma língua, sendo, portanto, a linguagem a nova capacidade resultante da união das duas anteriores, ou seja, a de emitir e captar sons e a de ordená-los como símbolos.
Desta forma, por óbvia inferência, uma língua é o resultado prático do exercício da capacidade humana aqui denominada linguagem**. É, portanto, uma rematada tolice dizer que a criança traz dentro de si a língua e que é por isso que ela aprende a falar. O que a criança possui - como qualquer indivíduo que aprende uma ou mais de uma língua -, se não apresentar defeitos nos órgãos emissores e receptores de sons *** e se viver entre humanos que, supostamente, se utilizam de uma língua, é a capacidade de detectar e dominar esta convenção.
* A percepção disto é muito antiga e a lenda bíblica da Torre de Babel é a explicação - de natureza mítica mas nem por isto menos lógica no sentido lato do termo - que o desarvorado redator do Gênesis dá para a existência de várias convenções dentro da mesma espécie.
** Um humano isolado desde a primeira infância não emite mais do que sons rudimentares e desconexos, mesmo quando adulto. Já um animal, por mais tempo que viva entre humanos, jamais aprende a falar. Um papagaio não fala. Ele apenas emite sons não simbólicos. Tal performance é que Shakespeare imortalizou, referindo-a ironicamente aos humanos , na sua célebre expressão: words, words, words.
*** Desde que, é claro, apresente como normais todas as demais funções vitais."
Linguagem, Poder e Ensino da Língua, José Hildebando Dacanal, p. 11 a p. 16, Mercado Aberto, 1985
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